terça-feira, 28 de outubro de 2014

perder sem encontrar

    Meio sonolento ouvi passos e vi a luz entrar e sair por uma fresta da porta, que havia sido aberta e fechada rapidamente de maneira silenciosa.  Ainda zonzo e abatido pelo efeito do álcool, rolei na cama cravando uma batalha contra o meu eu. Aquela situação não era aceitável. Lembrei-me de sua risada ecoando por toda a rua, enquanto voltávamos andando pela calçada. A chuva caia levemente e logo que saímos do barzinho vi seus olhos castanho-avelã brilharem como nunca. Dispensamos táxi, caronas e qualquer outra coisa que pudesse impedir a chuva de lavar nossa almas.
    Ela me disse com aquele tom de voz firme, sem rodeis, como quem sabe o que quer, como quem tem todos os sonhos do mundo em um só pensamento: - Você não pode se deixar levar por suas convicções inabaláveis. Descontração faz parte do jogo e, meu bem, ganhador mesmo é aquele que não se entrega, controlando o incontrolável. Com isso, tentei bater boca de maneira que pudesse argumentar e enumerar os benefícios de se ter alguém, de ser de alguém. Mas ela me venceu, dizendo que ser todo mundo é bem mais completo e exige menos do coração.
    Cada esquina refletia uma faceta daquela mulher admiravelmente inteira. A sinestesia fazia com que meus instintos se aflorassem e a vontade de guardá-la em um lugar secreto se misturava com a vontade de mostrá-la ao mundo. Perdê-la sem decifrá-la me dilacerava aos poucos. Foi então que subimos ao terceiro andar, tomamos vinho e viajamos do Brasil ao Japão. Entre um sonho e uma mordiscada de realidade, ela se entregou da forma mais bonita. Eu a quis mais perto.
   Mas quando me dei conta havia somente o seu cheiro em meu casaco molhado que estava jogado em uma cadeira da cozinha. Eu que planejei mil e uma maneiras de convencê-la a ficar hoje, amanhã e quem sabe depois, fui arrebatado pelo sono que a levou de mim, deixando apenas um batom vermelho-sangue caído no chão do quarto. Era uma prova física de que tudo tinha sido real.

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