terça-feira, 28 de outubro de 2014

perder sem encontrar

    Meio sonolento ouvi passos e vi a luz entrar e sair por uma fresta da porta, que havia sido aberta e fechada rapidamente de maneira silenciosa.  Ainda zonzo e abatido pelo efeito do álcool, rolei na cama cravando uma batalha contra o meu eu. Aquela situação não era aceitável. Lembrei-me de sua risada ecoando por toda a rua, enquanto voltávamos andando pela calçada. A chuva caia levemente e logo que saímos do barzinho vi seus olhos castanho-avelã brilharem como nunca. Dispensamos táxi, caronas e qualquer outra coisa que pudesse impedir a chuva de lavar nossa almas.
    Ela me disse com aquele tom de voz firme, sem rodeis, como quem sabe o que quer, como quem tem todos os sonhos do mundo em um só pensamento: - Você não pode se deixar levar por suas convicções inabaláveis. Descontração faz parte do jogo e, meu bem, ganhador mesmo é aquele que não se entrega, controlando o incontrolável. Com isso, tentei bater boca de maneira que pudesse argumentar e enumerar os benefícios de se ter alguém, de ser de alguém. Mas ela me venceu, dizendo que ser todo mundo é bem mais completo e exige menos do coração.
    Cada esquina refletia uma faceta daquela mulher admiravelmente inteira. A sinestesia fazia com que meus instintos se aflorassem e a vontade de guardá-la em um lugar secreto se misturava com a vontade de mostrá-la ao mundo. Perdê-la sem decifrá-la me dilacerava aos poucos. Foi então que subimos ao terceiro andar, tomamos vinho e viajamos do Brasil ao Japão. Entre um sonho e uma mordiscada de realidade, ela se entregou da forma mais bonita. Eu a quis mais perto.
   Mas quando me dei conta havia somente o seu cheiro em meu casaco molhado que estava jogado em uma cadeira da cozinha. Eu que planejei mil e uma maneiras de convencê-la a ficar hoje, amanhã e quem sabe depois, fui arrebatado pelo sono que a levou de mim, deixando apenas um batom vermelho-sangue caído no chão do quarto. Era uma prova física de que tudo tinha sido real.

terça-feira, 24 de junho de 2014

- Então, quer casar comigo?- Claro! Claro que sim. 

        Noite a fora, um anel, muitos sorrisos, abraços, carinhos, planos e declarações de amor. Viagens, lugares, cores, pessoas, um misto de alegria e ansiedade. Música calma e tudo parece ser a gravação de um filme. Uma noite não dormida, com 4 pés em uma cama. Hora de ir embora, o dia amanheceu e a vida pede urgência.
        Abrir a porta, olhar no espelho e encarar a realidade. Me lembro de ter visto em algum lugar, nossas vidas passando pela mente como um flash, no momento da morte. Mas eu não estou morrendo. O que há de errado? A resposta não parece estar em lugar nenhum. 
        Não queria dizer que não, mas também não podia ter dito que sim. Essa palavra obriga as pessoas a serem felizes o tempo todo, a criarem uma rotina completamente sufocante e não sei se eu consigo. Na verdade, eu não quero.  Isso me remete a outra confusão, porque eu sempre quis ser feliz o tempo todo, ter uma rotina - não sufocante, mas pelo menos ter uma - dormir e acordar ao lado de alguém. Que alguém? 
        Gostaria de ser mais precisa nas minhas decisões, ter mais certeza das coisas que eu quero, das coisas que eu sei...
        Tenho vontade de ser imensa, mas que eu ainda caiba no mundo. Tenho vontade de beber todos os drinks de todos os bares e permanecer sóbria, dançar todas as músicas sem nunca me cansar, conhecer todas as pessoas, sem esquecer quem sou eu. Conhecer os mesmos lugares pela primeira vez, de novo e de novo.  Fazer viagens que durem um mês ou mais, sozinha ou com amigos. É tudo tão solto.
        Queria um pouco de distância para silenciar minha mente e embora cigarros sejam bonitos apenas em fotos,  um ou outro me ajudaria agora.

Noite clara e céu de estrelas. 02 de abril.

- Filha, está pronta?
O vejo sorrindo através da janela e percebo que não há drinks, pessoas diferentes ou lugares novos, muito menos cigarros. Somos somente eu, ele e (...)
 - Claro. Claro que sim.
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Co-autor: Everton Souza de Moraes